Desafiando a razão

“...por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. Amém?”

E ela respondeu: “Amém!”

Terminada a leitura do texto bíblico, o pastor pediu que todos se assentassem. Assim ela procedeu, repousando o smartphone sobre a perna e mantendo aberto o aplicativo da Bíblia, para acompanhar a pregação.

Que culto abençoado! Parecia que os cânticos a tinham elevado aos céus. As orações dos irmãos expressaram um fervor que nem sempre se via. E agora era o momento do sermão. Silenciosamente, pediu a Deus que falasse ao seu coração.

Um pouco ao lado, notou algumas outras jovens empertigadas em um banco. Ostentavam o figurino da moda, nada indecente, mas tampouco modesto. Ouvira coisas sobre elas durante a semana. Agora, ali estavam com os narizes empinados de santarronas. Que Deus fale aos seus corações também! Estão precisando.

Ela buscou espantar esses pensamentos e prestar atenção na explanação. Ah, Jesus, perdão! E fitou o pastor.

“...porque Deus nos fala claramente o que devemos apresentar a Ele em adoração.”

Amém, Senhor! Diante de uma palavra tão poderosa, não entendia como as adolescentes do banco à frente podiam cochichar tanto. Com certeza, não estavam elaborando teses sobre a carta paulina! Corriam o risco de levar uma bronca do pastor. Ele já tinha feito isso, de púlpito, em outras ocasiões. Meu Deus, como têm assunto essas duas! Na próxima semana, procuraria outro lugar para sentar.

“...como segunda característica, as Escrituras nos dizem que é santo.”

Misericórdia, Jesus! A cabeça estava longe. Afasta essas distrações do inimigo. Endireitou o corpo e deu três piscadelas fortes para chamar a mente à concentração. Em que pé está o raciocínio do pastor? Releu o versículo e tentou encontrar sentido nas frases proferidas efusivamente, que ela ia catando no ar.

De repente, sentiu um tremor leve em sua perna. Zunindo suavemente, a tela do smartphone se iluminou e notificou uma nova mensagem. Quem seria? Não... agora não é hora! Olhou para o pastor. Mas quem seria? Senhor, não vou conseguir me concentrar com essa curiosidade toda! Esforçou-se para resistir. Tentou fixar toda a sua atenção no pastor... Não resistiu! Deslizou o dedo pela tela. Era a Gabi... Gabi? Ela não tinha ido ao culto? Mais um toque e a mensagem estava aberta. Com agilidade e hábil dissimulação, leu a mensagem, mandou um emoji e fechou o aplicativo.

Agora sim, atenção no pastor.

“...e envolve nossa razão, meus amados. Sempre será prestado com a razão, com entendimento e compreensão, e assim será verdadeiro.”

Estava incomodada por dentro, mas por fora manteve a postura. Vez e outra soltava um “amém!”, para não dar tão na cara. Porém, reconhecia para si mesma que já perdera o assunto da pregação há muito tempo.

“Que Deus nos abençoe! Amém, igreja?”

“Amém!”, repetiu com a congregação.

O culto seguiu seus últimos ritos, como era o costume, e em poucos minutos estava encerrado. Ela abaixou a cabeça, resmungou uma oração rápida e se levantou rumo à porta, onde o pastor cumprimentava cada um. Na sua vez, estendeu-lhe a mão com um sorriso, agradeceu os votos de boa semana e, com poucos passos, já estava fora. Passou os olhos pelas pessoas que conversavam, procurando as amigas. Enfim, encontrou seu grupo, aproximou-se e marcou presença com as saudações excêntricas próprias da juventude.

“Gabi, sua louca! Nunca mais me manda mensagem no meio do culto.”

E riram... E conversaram... E decidiram qual seria a lanchonete da vez.

* * *


Autor: Rogério Camargo Nery

Originalmente escrito em 30/01/2021. Texto revisto pelo autor.


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