Carta à Imperfeição

Querida Imperfeição!

Eu imagino a expressão em sua face ao ler a saudação desta carta. Você deve estar me achando muito cínica, já que não temos nos dado bem. Porém, por mais difícil que seja, acredite: não apenas a saudação, mas toda esta carta é escrita com palavras sinceras. Indo direto ao ponto, eu gostaria de me reconciliar com você.

Reconheço que tenho errado há muito tempo. Se bem me lembro, tudo começou na minha adolescência, quando fomos apresentadas uma à outra. No começo, achei nossa relação suportável. Porém, a situação mudou quando as pessoas começaram a reparar que andávamos juntas. Começaram a rir de mim, a me evitar, e houve até quem me dissesse, sem meias palavras, que não me queria por perto. Não eram todos assim, obviamente. Muita gente tentou se aproximar, falar comigo, dar apoio e conselhos, mas eu não quis ouvir. Eram pessoas que não se incomodavam com a sua presença, pelo contrário, conviviam bem com você. Porém, eu era uma menina imatura e queria ser aceita justamente - veja que ironia - por quem me rejeitava. A mim e a você...

Por toda a juventude você foi a minha rival - ou melhor, eu fui a sua. Para me enturmar em grupinhos populares, fingia que nada havia entre nós. Confesso que falei mal de você, como se fosse uma estranha para mim. Sim, eu escondia dos outros a nossa proximidade. Ninguém sabe o quanto eu chorava quando, sozinha no meu quarto, a realidade - inaceitável naquele momento - mostrava-se tão clara: estávamos grudadas uma na outra. Como eu odiava isso! Como eu queria fazê-la sumir!

Mais tarde, já na meia idade, eu passei a buscar pessoas que me ajudassem a eliminar você da minha vida. O meu desejo encontrou um lugar aconchegante nos discursos convincentes e convenientes de pessoas que se mostravam perfeitas e bem sucedidas na tela do meu celular. Rapidamente pensei: “É isso o que eu quero!”. Comecei a dar ouvidos a quem dizia que você só me prejudicava, e que mudar essa situação só dependia de mim mesma. Tudo era uma questão de decisão, de tomar as rédeas da minha história e, simplesmente, expulsar dela o que fosse indesejado. Porém, esse foi o pior momento de todos. Existir se tornou um peso, pois você estava sempre ali, e me fazia sentir frustrada e incapaz. “Se outros conseguem, por que eu não?”, era a pergunta que não saía da minha cabeça. E assim, eu, que já estava longe dos que me amavam de verdade, agora gastava tudo o que tinha para ouvir gente que prometia o caminho da perfeição, mas que nunca parou para ouvir sobre os meus problemas e dores. Uau, como fui tola!

O tempo passou e, dolorosamente, aprendi a vê-la com outros olhos. Hoje, madura e calejada, entendo que você sempre foi boa para mim. Incômoda, mas boa. Percebo que os meus melhores amigos são justamente aqueles que também são seus; que as pessoas que rejeitam você são as mesmas que me machucam; e que, no fim das contas, o problema sempre foi a forma como eu escolhi conduzir a nossa relação.

Por tudo isso, Imperfeição, decidi que, de agora em diante, vamos viver bem. Vou abraçá-la todos os dias, vou andar com você pela rua e deixar que todos a vejam ao meu lado. Vou aceitar de bom grado a sua insistência em estar sempre presente e o seu veredito intransigente sobre as pessoas que quiserem entrar na minha vida.

Sei que este pedido de reconciliação será aceito. Mesmo quando fui hostil, você nunca me abandonou. Não será agora que vai me deixar, será? Não, não será. Nós duas sabemos disso!

Termino esta carta chamando você de amiga, enxugando algumas lágrimas e buscando tirá-la da cabeça por algumas horas, enquanto durmo. Por favor, entenda: não dá para ficar pensando em você o tempo todo. Além disso, logo cedo nos veremos no café da manhã.

Com estima e autoestima,

Sofia.


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Texto originalmente escrito em 13/02/2024. Revisto em 26/12/2025.


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